Sem Títulos
Estava, numa noite dessas, na casa de um amigo discutindo um projeto de um Curta-Metragem que iríamos realizar. Num dado momento rolou uma vaquinha para comprar um refrigerante, e eu, morosamente, meti a mão no bolso e tirei dois reais dos únicos três que tinha comigo. - Vida de Universitário não é mole, ainda mais quando se mora com amigos e tem que custear todos seus gastos com uma bolsa trabalho de meio período. Já depois das onze e meia, me despedi de todos e me apressei para chegar ao ponto de ônibus antes da meia noite, pois esse era o horário que eu julgava ser o do último carro, e se o perdesse, a caminhada até em casa seria bem longa. O ônibus não demorou, tomei-o, peguei meu cartão transporte e passei no leitor. Uma mensagem apareceu no visor do leitor indicando falta de crédito. O cobrador olhou o visor e já abriu sua gavetinha onde guarda o dinheiro esperando que eu o pagasse. Nesse momento uma sesação desagradável me abateu. A sensação de quem estava sem dinheiro.Pensei comigo: - E agora José? Sempre que estou numa situação irremediável em que a razão não me apresenta saída, me valho do questionamento de Drummond ao seu eu lírico e dou risada do inevitável. Atitude esta que me faz sentir como legítimo povo da terra, que acha graça na derrota. E, como alguém já disse, “Na paixão e na dor todos são iguais”. Fingi atrapalhado em tirar o dinheiro do bolso com os solavancos do ônibus e fui me sentar num assento próximo a catraca. Verifiquei o que tinha e constatei o que já sabia: Me faltavam dois reais, aquela bendita nota que entreguei na vaquinha do refrigerante. E como pude deixar faltar crédito no meu cartão? E agora desço do ônibus e faço todo caminho a pé? Fiquei pensando enquanto fingia procurar pelo dinheiro que estava difícil de achar. Deixar o ônibus seguir seu trajeto e só alarmar o cobrador quando estivesse bem próximo da minha parada parecia ser a melhor solução. Quem sabe ele fosse do tipo compreensível e me deixasse descer pela frente. Assim fui eu depois de alguns minutos com a cara lavada explicar a situação. O cobrador, de expressão apática, não se sensibilizou e deu de ombros para meu drama, o que me deixou ainda mais intrigado a ponto de perguntá-lo “E aí, o que eu faço?”. Novamente Drummond veio a minha cabeça. Foi quando um garotinho veio até nós e perguntou ao cobrador quanto me faltava para a passagem. Cheguei até olhar com cara feia para ele diante de sua intromissão. O cobrador respondeu e ele tirou do bolso uma nota amassada de dois reais.Com aquela resolução me expressei levantando as sobrancelhas para o cobrador, num misto de alívio e constrangimento. Passei a catraca e fui agradecido cumprimentar o garoto que já tinha voltado ao seu assento. Neste momento o ônibus passava pela minha parada, então me apressei em agradece-lo. Estendi a mão pedindo obrigado. Ele retribuiu. Quando já estava para dar meia volta, percebi que no assoalho, à frente daquele garoto de pé sujo num chinelo de dedo, havia uma caixa de engraxate. Já passava da meia noite e o engraxate continuava seu trabalho de revitalizar sapatos surrados.
